sábado, 20 de março de 2010

Seres Estelares


“E eu vos direi:
Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”

Olavo Bilac


Ciência para mim é poesia pura! Digo isto com a convicção de quem desde garoto, na década de 70, ficava hipnotizado diante da televisão assistindo Perdidos no Espaço, Terra de Gigantes e as estripulias do Capitão James T. Kirk e seus famosos escudeiros, o médico Dr. McCoy e o alienígena orelhudo Spock em Jornada Nas Estrelas indo “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve”. Daí a mágica se fez e uma semente do eterno projeto de cientista que eu viria a ser por toda a vida foi plantada no solo fértil da minha imaginação infantil. Ali, naqueles primórdios, nascia o professor de física. Uma vocação, vontade expressa da alma, que se consolidou na adolescência quando a recém-nascida revista de divulgação científica “Superinteressante” lançou, como uma bomba atômica que atingiu os meus sentidos, alguns artigos sobre a teoria da relatividade. Pirei! Como assim? Que história é essa de tempo relativo? Como alguém só por viajar muito rápido pelo espaço poderia voltar um dia à Terra e estar mais jovem que seu filho? Máquinas do tempo, universos paralelos... Doideira completa, viagem dos sentidos...

E as estrelas então? Nada mais poético do que estes gigantescos astros brilhantes. Milhares e milhares de versos foram escritos enaltecendo sua beleza. Mas uma simples descrição delas, por si só constitui-se numa fantástica narrativa lírica. Porque uma estrela é como um ser vivo: Como nós, elas nascem um dia fulgurantes e vivem bilhões de anos “pensando” que vão viver para sempre. Seu nascimento ocorre em função da gravidade que provoca um ajuntamento de gases numa formação chamada Nebulosa. Nós, seres humanos, nascemos depois de uma gravidez em conseqüência de um ajuntamento nebuloso que as pessoas chamam de vários nomes: amor, paixão, às vezes tesão, ou só safadeza mesmo...

Mal chegamos a este mundo e começamos a sofrer as pressões. Devemos crescer e ganhar peso, depois somos compelidos a engatinhar e andar o mais rápido possível para orgulho de nossos pais. A primeira palavra “papa” ou “mamã”, a primeira dentição e ai chegamos a pressão de seres sociais, desprotegidos do aconchego do lar, convivendo e aprendendo com pessoas que até então não tínhamos a menor intimidade , no heterogêneo ambiente escolar. Aprendemos a ler e escrever; roubamos o primeiro beijo de uma garotinha que ainda tem ranho no nariz, nos apaixonamos pela primeira vez e encaramos ou não o vestibular. Depois saímos apreensivos em busca do primeiro emprego, namoramos sério ou não e casamos. Temos filhos que receberão muito amor e nos darão em troca o mesmo, muita dor de cabeça e depois netos. A gravidade, força implacável, puxará nossos corpos para baixo sempre, até a derradeira e maior profundidade, a sete palmos, e até na hora de morrermos seremos pressionados e compelidos a lutar sempre pela vida mesmo que talvez ela já não valha mais a pena de ser vivida porque até a pressão atmosférica tornou-se um fardo insuportável de carregar.

Uma estrela, assim que se forma, também é pressionada e mantém estável, mas precário equilíbrio desta pressão. Duas forças lutam para subjugá-la: A gravidade “tenta” esmagá-la contra si mesma e a pressão gerada pela reação nuclear de suas entranhas tende a expandi-la de modo que a sua matéria se espalhe pelo Universo. No caso do nosso Sol, a atividade nuclear o fará crescer, assim como nós crescemos na vida em alguns aspectos com o passar dos anos. Ele se tornará uma fria, cansada e gigante estrela vermelha daqui a cinco bilhões de anos. Com quase todo o seu combustível esgotado, o Sol perderá saúde e equilíbrio. Já não será quente o suficiente para conter a cruel gravidade que acabará por esmagá-lo. Este colapso, um espetáculo fabuloso que infelizmente não estaremos aqui para presenciar, fará com que a sua matéria seja lançada pelo universo. Assim morrerá nossa estrela.

Outra semelhança conosco. Um dia nossas obras, nossos atos e gestos, serão espalhados pelo mundo e só sobrarão ecos do que fomos.

E o que mais, além disso, restará de nós e do Sol?

De nós, quiçá um pequeno brilho nos corações e mentes daqueles que conosco conviveram e que, com alguns dos quais partilhamos verdadeiros sentimentos. Também nossos restos mortais, idéias e atitudes serão compartilhadas por outros seres vivos dando continuidade à grande corrente da vida.

As estrelas, como o Sol quando morrem irradiam a matéria pesada de vários elementos que formou a partir do hidrogênio. Estes elementos como o carbono, oxigênio, ferro e outros, se espalharão pelo Universo e farão parte de outras estrelas e planetas num novo sistema solar, de onde poderá surgir nova vida.

Daí a derradeira, contundente e maravilhosa das idéias poéticas sobre a ciência e o Universo: Quando nossa consciência findar e nosso invólucro corpóreo se dissolver, os bilhões e bilhões de átomos que nos formam se difundirão pelo planeta e depois se espalharão pelo universo expelidos pela explosão solar. E então, a matéria que nos compôs um dia poderá fazer parte de outros seres vivos. Desta maneira, seremos eternos reciclados, poeira de estrelas...

Poesia pura!

Agnaldo Garcia

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