terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sobre a Vida e Outras Coisas

“Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver."

Rubem Alves

Alguém um dia disse que não se pode fugir ao amor nem à morte. Quanto a essa afirmação, eu acredito que a morte sim seja algo definitivo e que entendam como quiser o que acabei de afirmar. E digo que acredito com a pouca convicção de que posso e gostaria muito de estar enganado com relação a este assunto. Então quiçá ao menos eu pudesse escolher o modo de morrer. Porque no final acho que é isto mesmo o que nos resta: um desejo bom que no máximo nós podemos repetir em pensamento: “que seja doce”, como diria Caio Fernando Abreu. Morrer um dia assim, como neste insight que me ocorre agora. Eu sentado num banco de jardim, já idoso (mas não tão velho a ponto de não poder me limpar sozinho) e escorado em uma bengala num dia de sol e nuvens. As folhas das árvores caindo num dia ameno de outono, pássaros revoando por todo lado e zás! Tombo o pescoço e morro em paz sem ter a sensação de ter deixado nada a ser concluído.

Que assim seja!

Assim se foi meu avô, dormindo cada dia um pouco mais, o velho conversador e contador de causos. Deixou este mundo como uma flor, murchando no sentido físico e intelectual da palavra. Nos seus últimos dias apenas se limitava a hum, huns e balançar de cabeça, quase já perdendo a lucidez.

Um dia deitou e não acordou mais. Sereno, de boa...

Mas suspeito que a morte não atenda pedidos e o mais provável é que definhemos em sofrimento em maior ou menor grau conforme a sorte de cada um por um bom tempo até que ela nos leve para o barco de Caronte...

Acho que pensar na morte não é algo natural e, portanto nada agradável. Parece que somos levados, através de um mecanismo de defesa a não pensar neste evento e assim a maior parte de nossa existência não encaramos o fato de que a qualquer momento podemos simplesmente deixar de existir, partir deste mundo, escafeder-se. E levantamos de manhã durante todos os dias de nossas vidas planejando o futuro, mesmo que seja para cinco minutos depois. Nas festas de fim de ano fazemos promessas como se a vida não fosse tão frágil que ao atravessarmos a rua ou simplesmente descendo a escada de casa pudéssemos perdê-la de pelo menos uma dezena de maneiras diferentes.

Eu tenho pensado muito nisto nestes dias. O clima é propício, o ano não foi dos melhores em parte. 2010 já foi tarde, embora tenha levado consigo boa parte da preciosa areia do tempo que se esgota pela ampulheta da minha existência. E o que me resta? Aproveitar estes dias de reflexão em que a minha vida não está tão caótica quanto o trânsito das seis da tarde em São Paulo e mais parece o trânsito da Rua São Paulo num domingo chuvoso em Ribeirão Bonito (aff!) para pensar se estou fazendo o melhor com essa minha breve vida? Parar de pensar e só viver, porque afinal não importa o que pensemos ou façamos a maior parte do tempo nós não temos o controle da situação e somos “teleguiados” pela vontade dos outros, pelos nossos instintos ou nossa visão errônea dos fatos que ocorrem em nossa volta?

Morremos sós, é uma verdade, mas o crucial é que mesmo vivos e cercados de quem amamos e nos amam ainda nos sentimos sozinhos. E às vezes este sentimento é tão intenso que nenhuma distração pode afastá-lo da alma por muito tempo e assim dói no peito de tanta melancolia. Então pra não pensar no assunto aperto o botãozinho que religa o mecanismo de “pensar-que-é-eterno”.

Assisto a um bom filme ou procuro ler um bom livro como “A Arte de ser Desagradável” de Jim Knipfel que a minha amiga Vanessa me emprestou mesmo antes de lê-lo. Utilizando a filosofia do “budismo de cachaceiro” Jim vai narrando de como um jovem cheio de problemas físicos e emocionais reage violentamente contra o mundo onde vive e esta visão vai mudando conforme ele amadurece, ou seja, conforme se aproxima o dia de sua morte. Qualquer semelhança com a trajetória de vida de qualquer um de nós terá sido mera coincidência não é mesmo?

Do livro de Jim Knipfel vou roubar um trecho que ele cita da obra de Ernest Hemingway “...As pessoas sentimentais vivem sendo traídas”. Não por outras pessoas na maneira particular como eu interpretei. As pessoas sentimentais são àquelas movidas por ideais, que criam realidades alternativas na sua mente e assim vivem em choque constante com a realidade. Ainda bem que o correr dos anos trás serenidade para lidar com essas adversidades.

A verdade é que a gente é que nem vinho: com a idade aperfeiçoamos nossa essência, melhoramos o nosso trato e o nosso nariz vai deixando de apontar pro nosso umbigo até ficar na horizontal, de onde ficamos cara a cara com nossos semelhantes e como disse outro amigo meu: “Pena que quando a gente tá ficando bão, a gente morre!”.

Faze o quê, né tio?

Concordo com ele. Concordo também de novo com Caio Fernando Abreu: “... Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER...”

A dor de quando se perde quem se ama ou a iminência de tal possibilidade é o que podemos experimentar de mais profundo no existir, porque nos faz sentir o mais vivo possível.

Já se sabe que nada além pode ser tão terrível porque nada mais pode alcançar tanta importância.

É a antítese da morte...


Agnaldo Garcia

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Hecatombe, a Profecia do Fim



Agosto, mês de seca. Quando a natureza se ressente da falta d’água e torna a paisagem cinzenta e o ar se enche de poeira tornando difícil, às vezes um simples exercício como respirar. Mas o fato de existir pouca umidade permite um céu sem nuvens e a noite apresenta um belo espetáculo para aqueles afortunados que não vivem nas grandes e poluídas cidades que são as nossas metrópoles. Numa noite dessas estreladas de cidade do interior, na varanda observando as constelações, Alberto pensou que há milhares de anos atrás outras pessoas olhavam para o céu e viam as mesmas e regulares estrelas que mirava agora no céu. A constelação de escorpião, as Três Marias que fazem parte da constelação de Órion se afiguravam destacadas pela falta de luminosidade da lua nova. Foi então, pela primeira vez que ele notou aquela estrela peculiar que não parecia estar ali na noite anterior. Nas noites que se seguiram, postado na varanda, a estrela parecia intensificar o seu brilho até se tornar mais brilhante que Júpiter ou Vênus, planetas que emprestam e refletem o brilho do sol e os vemos nos céus como as estrelas mais brilhantes em certas épocas do ano. Curioso buscou na rede mundial imagens de planisfério celeste e não encontrou nenhum astro de brilho considerável naquelas coordenadas celestes. Mas a realidade era contundente em mostrar o ponto luminoso visivelmente cada vez mais fulgurante. Vieram dias mais atribulados em que já não tinha mais ânimo para contemplar o céu de seu quintal. As urgências da vida, doença na família o levaram por um bom tempo a ignorar o astro curioso. Nem mesmo se deu conta, quando rumores começaram a se espalhar na internet fazendo menção sobre a estranha estrela que a olhos vistos e nus parecia cada vez maior. Sugeria algum objeto consideravelmente grande e que se aproximava vertiginosamente da atmosfera terrestre. Como o assunto se espalhou e tomou conta de toda a mídia mundial os governos se apressaram em desmentir que um cometa ou asteróide gigante estivesse em rota de colisão com a terra. A explicação era simples: Uma estrela havia explodido transformando-se em uma supernova.

Ocorre que a explicação dada não convenceu e em pouco tempo, o pânico tomou conta das pessoas em todo o mundo. Os governos enfim diante das indubitáveis evidências, proclamaram o veredicto. O fato tinha data precisa para ocorrer. Segundo os cientistas, o evento catastrófico ocorreria no dia 13 de setembro daquele ano na costa leste da África, às 19 horas e vinte e quatro minutos do horário de Brasília precisamente e não havia nada que pudesse ser feito. Segundo os mesmos, o astro brilhante tratava-se de um imenso asteróide de cerca de 40 quilômetros de diâmetro, o dobro do tamanho daquele que atingiu a planície de Yucatan no México há 65 milhões de anos e varreu os dinossauros da face da terra. O mundo inteiro seria devastado por terremotos no top da escala Richter. O planeta todo seria atingido por detritos levantados durante o impacto e imensos tsunamis varreriam as costas dos países onde se concentram a maior parte da população mundial. Ventos de mais de 500 Km/h causariam estragos inimagináveis.

Tais informações vinculadas nos principais meios de comunicação caíram como uma bomba, como se o impacto já houvesse ocorrido. Um estado de calamidade pública se abateu durante os primeiros dias sobre toda a humanidade. Alberto já havia dias antes se reunido com sua família para decidirem juntos o que fazer. A decisão foi unânime. Não fariam nada. Ficariam juntos onde estavam até o fim. Não havia lugar nenhum mais seguro do que o interior de casa naqueles dias. Nem transporte coletivo ou próprio poderia ser usado já que as estradas se encontravam intransitáveis devido aos imensos congestionamentos, carros quebrados e abandonados no meio das vias e outras barbaridades cometidas por bandos ensandecidos. Ninguém vendia mais nada, comprava, enfim todos só pensavam no fatídico dia. Alberto juntou os dois filhos adolescentes e a esposa e reforçaram janelas e portas com madeira e prego. O vizinho lhe deu uma arma calibre vinte e dois que ele pediu a Deus que nunca precisasse usar. No dia seguinte deu um tiro na direção da porta que era forçada por umas duas ou três vozes enlouquecidas. Depois disso, silêncio nos dias que se seguiram. Em 12 de setembro Alberto e a família diante da quietude resignada das ruas resolveram “apreciar” o espetáculo do dia seguinte em grande estilo. Com mantimentos roupas e duas barracas para passar a última noite neste planeta subiram num monte ao pé da cidade e acamparam junto a mais duas famílias que lá já se encontravam. Na noite de 12 de setembro o asteróide se afigurava imenso no céu e pequenos pedaços partidos transformavam a noite. Parecia o céu de outro planeta.

Lindo espetáculo! Pensou e lhe acentuou o frio na boca do estômago. Naquela noite não pode dormir. Sentia de alguma forma um terrível sentimento de impotência diante dos fatos e seu instinto de proteger a família contra os perigos o fazia sentir-se mais impotente e miserável. Olhou para os filhos e a esposa que dormiam amontoados próximos a fogueira e acalmou um pouco o coração. Nada podia fazer! Era fato. Ao menos estava junto das pessoas as quais ele mais prezava. Era assim, que se pudesse escolher, de qualquer forma teria terminado os seus dias. Eram altas horas da madrugada quando finalmente foi vencido pelo sono. Sonhou que o asteróide mudara de rota e atingira a lua. No sonho as pessoas do mundo inteiro se abraçavam e choravam de felicidade.

Acordou com a luminosidade do dia. A fogueira apagada deixava o ambiente frio em volta e ele cobriu melhor um dos garotos que dormia encolhido. Durante o dia todos procuraram ficar o mais próximo uns dos outros, mas quase não havia ânimo para as habituais conversas. Sua mulher mal continha as lágrimas quando olhava às vezes para um dos filhos ou para Alberto. O tempo parecia fluir mais depressa como que para apressar o mundo para o terrível desfecho.

Cinco horas, cinco e meia, seis e meia... O sol se punha e Alberto olhou para o céu e estranhou por algum tempo que a estrela da morte não estivesse lá. Mas compreendeu em seguida que ela já se encontrava além da curvatura da terra se aproximando do ponto de impacto.

Sete e vinte e três, sete e vinte e quatro da noite... Alberto e a família estão em pé abraçados quando um súbito clarão ilumina o céu a partir do leste. As crianças e mulheres das três famílias reunidas gritam e choram. Em seguida, exceto alguns soluços quase inaudíveis, o silêncio é quase absoluto. Os ânimos se acalmam até que cerca de vinte minutos depois a terra começa a chacoalhar de maneira indescritível. Todos são jogados ao chão e o desespero toma conta de novo. Quinze minutos depois todos ouvem um barulho que parece chuva caindo e o céu fica escuro. Logo todos percebem apavorados que se trata de material ejetado pelo impacto do asteróide. Por sorte ninguém é atingido. Novamente depois de algum tempo os ânimos se acalmam.

Passam-se horas de apreensão e agonia. As crianças se animam imaginando que o terror acabou e que todos poderão retomar as suas vidas. Algumas mulheres e homens, cientes do próximo terrível evento, não se contém e se debulham em lágrimas e lamentações. Alguns como Alberto, permanecem resignados esperando à hora terrível.

Passados 32 minutos do dia 14 de setembro, Alberto e os outros que ainda estão acordados vêem no horizonte a leste surgirem terríveis nuvens de tempestades elétricas que trazem consigo ventos com mais de 400 km/h. É o fim de todos. Alberto se reúne à família. As rajadas chegam e arremetem todos do solo.

Um ano após o incidente são poucos os que ainda sobrevivem. Uma nova era glacial se instalou sobre a terra, transformando-a numa bola de gelo.

Agnaldo Garcia




quinta-feira, 29 de julho de 2010

Crítica Filosófica: O Verdadeiro Amor

É uma quinta-feira chuvosa. Penso nela. Chego ao meu apartamento cansado. Mais um dia corrido de serviço. Deito-me no sofá e olho pela janela. Sua imagem aparece em minha mente. Posso ver com clareza os belos contornos e a tonalidade de sua cútis. Fecho os meus olhos e sinto uma sensação maravilhosa. O meu rosto esquenta com o toque imaginário do rosto dela. A sensação de seu abraço, que recentemente recebi, ainda é lembrada por todo o meu corpo. O barulho da chuva me hipnotiza. Revivo os momentos em que eu a contemplava de longe. Ah, se ela soubesse o que eu sinto…

Pensar nela é uma sensação que embriaga meu corpo de prazer e felicidade. Ela é a única pessoa que me faz sentir voando nas nuvens com o simples prazer que sua existência me proporciona. Nunca fizemos amor, mas sinto o mais poderoso êxtase afetivo em sua presença. Ao olhá-la, de longe ou de perto, não consigo manter minha mente na realidade. Minha cabeça viaja pelas mais belas fantasias enquanto meu corpo continua interagindo com o mundo.

Meu Deus, o sorriso dela me desmonta. Que divino é seu gesto. Quando ela sorriu pela primeira vez para mim me fez sentir o homem mais feliz do mundo. É impossível relatar o que sinto por ela. É tão forte e intenso que as palavras não dão conta. Não me satisfazem. Ao tentar comunicar os afetos me sinto limitado. Sinto a sensação de que o meu amor esta preso no corpo.

Meu querido filósofo Wittgenstein disse uma vez: “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Fico muito triste em saber que um dos pensadores que eu mais admiro tenha levado uma vida tão sem “sabor”, podendo narrá-la sem problemas. Pobre Ludwig. Felizmente, ou não, sua máxima não serve para mim. Sinto cada vez mais que o meu mundo é limitado pela linguagem, e não o contrário. Gostaria de expressar certos sentimentos, mas as palavras são incapazes de explicar. O máximo que eu já consegui falar, após muito tempo, é que sua presença era a causa da minha felicidade e expressei minha gratidão ao senhor da vida por tê-la feito existir. Provavelmente seja o máximo que a filosofia dos afetos possa me dar como discurso.

Não é triste saber que algo tão bom e intenso não pode ser transmitido para outras pessoas? Há muitos anos gostaria de ter dito ao objeto do meu amor que sua existência é tudo de bom para mim. Gostaria que ela pudesse sentir como cada parte do meu corpo fica eufórico só em vê-la. No fundo foi esta frustração que me fez ficar tanto tempo afastado e sem poder me expressar em sua presença. Estudei muito filosofia por causa dela. Queria aprender o que eu sentia e como poderia transmitir tais afetos. Depois de muito estudo descobri que é impossível. Minhas esperanças desabaram frente a esta limitação ontológica. O que eu sinto é meu, só meu, e nunca poderá ser igual em outra pessoa. Ninguém pode sentir ou explicar o que sinto por esta mulher. Toda a humanidade está condenada ao autismo. Acreditar que há pessoas que conseguem exprimir, melhor do que outras, o que vêem ou sentem é mera ilusão. O poeta, no fundo, é um astuto ilusionista. O psicólogo, um ingênuo blefador.

O que eu sinto por ela é só meu. Minhas lembranças, sentimentos e fantasias são tesouros. Um poderoso anestésico frente às agressões do mundo. Esta é a verdade para mim. Algum companheiro filósofo dirá: - O que você sente é simplesmente amor. Sim, é verdadeiramente um amor. Porém, isso não explica nada. Como revelava o sábio Platão, o amor é um desejo. Porém, ele não termina na satisfação momentânea de se ter o ser amado. O amor continua porque desejamos neste instante e no futuro. O amor não acaba com a simples posse do outro, mesmo porque nada nos garante que o outro será sempre nosso. Pois bem, aceito esta definição. Eu a desejo hoje e amanhã sim. Só não estou certo da importância de possuí-la. Além disso, já amei verdadeiramente outras mulheres. Porém, nunca foi igual ao que sinto por ela. O amor que sentimos por uma pessoa nunca é igual ao que sentimos por outra. Não é questão de ser maior ou menor, mas é simplesmente diferente. E o que sinto por ela é muito diferente do que eu senti pelas demais. Para mim não é a mesma coisa.

Muito me espanta que alguns tenham pensado nos afetos de forma lógica e matemática. Há alguns filósofos que dizem que o amor se dá na gratificação que se tem em sentir a felicidade de quem se ama. A pessoa amada é causa de nossa felicidade, e quando quem amamos fica feliz nós também ficamos. Esta lógica parece coerente. Sou feliz com a felicidade dela. Acho que por isso tenho preocupação em fazê-la feliz o tempo todo. Amar o outro, no fundo, é amar a si próprio. Porém, esta mesma filosofia diz que devemos ficar felizes se o objeto amado se tornar feliz com outra pessoa. Se um outro a faz mais feliz do que você, logo é preciso ceder. Assim, você se torna ainda mais feliz. Esta racionalização da mecânica espinosana para mim é um absurdo. Nunca fiquei minimamente feliz em ver quem amo nas mãos de outro. O que as pessoas têm dificuldade em aceitar é que o amor é simplesmente um “desejo”, o desejo é uma “falta”, e a falta requer a “posse” do que não se tem. O mais insano é que, segundo esta lógica dos afetos, alguns diriam que eu não sinto amor por ela. Vejam que até na filosofia há demência…

Por fim, o leitor diria que estou assolado pela paixão. É uma hipótese plausível. A paixão é um vício do espírito e pressupõe algumas coisas. Enquanto no amor o objeto amado é a CAUSA da minha felicidade, na paixão o ser amado é a MEDIDA da minha existência. É o sentimento de que o próprio viver depende do objeto amado. É quando se deixa de viver a própria felicidade para se viver na felicidade do outro. É o que na filosofia epicurista e estóica chamam de “ignorância da razão”. É enxergar no outro a sua própria completude, transferindo assim seus vazios e carências para o objeto amado. Além disso, pressupõe que a pessoa neste estado é incapaz de amar outrem. É um sentimento intenso e terrível. Tive uma paixão que durou dos oito aos catorze anos e com certeza não é nada parecido com o que sinto por ela. Primeiro, a minha felicidade basta em mim mesmo. Não dependo dela para viver a “boa vida”. Segundo, sempre gostei dela e isso não me impediu que eu amasse sinceramente outras mulheres.

Mas o que eu sinto então? Que sentimento é este que ela me produz? Algum dia alguém poderá me explicar satisfatoriamente? Como bom cético pirrônico tenho que dizer “talvez”. Sem afirmar ou descartar. Até lá sigo existindo. Feliz em contemplá-la quando posso, ou sonhando com sua presença. Princesa de Pariquera. Na incapacidade de gratificar meu desejo de amá-la, faço o que em psicanálise se chama de sublimação: canalizo meus impulsos libidinais para uma atividade socialmente aceita. Converto amor em artigos. Afetos em filosofia. Insisto em comunicar ao mundo o incomunicável.

Autor: Arthur Meucci

Do blog: http://criticafilosofica.wordpress.com

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sem Título

Não te quero senão porque te quero,

e de querer-te a não te querer chego,

e de esperar-te quando não te espero,

passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,

e a medida do meu amor viajante,

é não te ver e amar-te, como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,

seu raio cruel meu coração inteiro,

roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,

e morrerei de amor porque te quero,

porque te quero amor, a sangue e fogo.

Pablo Neruda

sábado, 19 de junho de 2010

Psicopata - O Anjo Vingador

“Quem luta com monstros deve velar, para quando ao fazê-lo,

não se transforme também. Porque quando olhamos,

durante muito tempo, para um abismo,

o abismo também olha para dentro de nós.”

Friedrich Nietzsche

Na primeira vez que ela passou por mim eu a olhei bem nos olhos e ela sorriu como se eu fosse alguém familiar. Eu sorri de volta e de maneira convincente - eu imagino - já que me tornei muito eficaz na arte de encenar simpatia e alguns outros sentimentos que, embora eu saiba existirem, jamais experimentei. Há um tempo eu a venho preparando para mim. Utilizando todo o meu repertório de truques e artimanhas para conquistar a sua simpatia. Outro dia esbarrei nela sem querer e deixei cair um punhado de materiais que trazia comigo, e ela num gesto altruísta, como eu esperava, ajudou-me a recolher a papelada espalhada pelo chão. Puxando conversa, disse-lhe após algum tempo, que estava sentido com o fim recente de um relacionamento. Percebi que isto a interessou e ela esticou o assunto fazendo com que eu me abrisse e desabafasse. Assim, fui ganhando a sua confiança e nós nos tornamos íntimos de maneira que ela me confidenciou alguns pequenos segredos sobre a sua vida. Disse-me que até pouco tempo mantivera um relacionamento com um homem de sua relação de trabalho, com o qual rompera. Só omitiu o adultério de ambos, a vagabunda. Obviamente ela nem desconfia que o motivo de ter me conhecido seja estas aventuras e que em breve nós iremos estreitar este nosso curto relacionamento de uma maneira irreparável e profunda. Ela vai marcar a minha existência. Vai dar sentido a ela por um tempo ao menos, enquanto eu definitivamente darei destino à sua por causa dos atos pecaminosos que praticou. Ela é uma ninfomaníaca que está sempre enganando o companheiro com quem divide uma vida e envolvendo-se com homens de todos os tipos. Em suma, ela é pouco seletiva na escolha de seus parceiros de luxúria, ao contrário de mim que só escolho os tipos como ela para outro fim bem específico.

Eu ando entre as gentes, os humanos, falo como eles e me pareço com eles, mas não sou homo sapiens. Meu DNA foi divinamente modificado. Por isso ninguém pode ter acesso a uma amostra do meu sangue. Eu sou um anjo vingador de Deus, concebido para trazer à terra a conseqüência àqueles que atentam contra as suas leis e mandamentos. Sua espada de fogo está em minhas mãos e a mim foi dada a autoridade para trazer a justiça contra as mulheres devassas que profanando o templo sagrado do espírito santo que é o seu corpo, destroem lares através da sua concupiscência e devassidão. Ela não será a primeira a sofrer, através deste mensageiro, a ira do Divino e provavelmente não será a última. Mas a minha missão aqui na terra está terminando e eu, lavado com meu próprio sangue, partirei para a glória junto àquele de quem sou servo leal. A polícia daqui não é das mais brilhantes, mas em breve eu deixarei pistas indubitáveis e estarei pronto e esperando o primeiro e derradeiro confronto.

Por agora me concentro na minha missão atual. Minha percepção aguçada de sobre-humano a detectou com facilidade. Desenvolvi com o tempo habilidades notáveis que me capacitam e me tornam perfeito para a realização desta missão. Eu as identifico e faço uma varredura completa em suas vidas, hábitos, preferências e assim assumo o papel do homem que é capaz de atraí-las facilmente colocando-as na palma de minha mão de maneira que tenho a confiança plena delas. Elas se sentem totalmente seguras comigo e eu posso conduzi-las onde e quando eu bem quiser. Em seguida eu as levo para um local isolado e seguro para mim. Lá eu as coloco inconscientes através de um lenço com clorofórmio no nariz e as imobilizo com fita adesiva larga e realizo o ritual de purificação de suas almas, conforme instruções expressas do anjo Gabriel. Depois, eu as imolo e as abandono num local ermo de maneira que seus corpos apodrecidos sejam encontrados após alguns dias. Junto aos corpos, deixo escrito com o sangue da vítima uma tabuleta de madeira com um versículo da bíblia, que demonstra claramente o motivo pelo qual a pecadora que ali apodrece foi imolada.

Esta é minha “assinatura”, como dizem os especialistas. Aliás, eles adoram rótulos. Rio quando leio nos jornais as tentativas de traço de perfil que são feitas com relação a minha pessoa. Dizem que provavelmente eu sou um fanático religioso e que minhas vítimas, todas mulheres, tem o perfil psicológico parecido com o de minha mãe provavelmente. Pobres diabos ignorantes e imbecis. Minha mãe era uma santa criatura que nunca teve um comportamento devasso e sempre respeitou meu pai. Ela me orientou para o caminho de Deus, me fazendo desde criança ler diariamente a bíblia para conhecer e guardar os mandamentos do Senhor. A pobre teve uma vida terrível e nós, eu e meus dois irmãos também padecemos as agruras de um pai ébrio e drogado que mantinha sempre uma amante e descontava costumeiramente em nós as suas frustrações através de agressões físicas e verbais. Tenho guardado aqui em casa algumas radiografias de fraturas que eu colecionei nestes anos em que meu miserável pai esteve neste planeta. Sou grato a Deus por tê-lo levado com um infarto fulminante e ter permitido a minha pobre mãezinha um descanso nos últimos anos em que esteve comigo aqui na terra. Ele humilhava minha mãe, exibindo pelos bares e botecos da vizinhança as raparigas às quais tratava bem em contraste ao tratamento que dispensava à sua própria família. Foi por essa época que o anjo Gabriel me visitou pela primeira vez e foi gradualmente me instruindo da missão que eu deveria desempenhar aqui na terra a serviço das ordens celestiais. Assim, por ser especial, fui recrutado e treinado como soldado dos céus.

A despeito de todas as dificuldades econômicas pelas quais passei durante minha infância sempre obtive grande êxito nos estudos e com o tempo adquiri certa estabilidade econômica que me permitiu possuir os instrumentos necessários para o cumprimento da minha missão. Comprei uma propriedade rural e construí nela, com minhas próprias mãos e como anexo secreto da casa, um cômodo subterrâneo e acusticamente isolado. É aqui onde novamente trarei a profanadora que observo sorrateiro agora. Depois eu a deixarei apodrecer num terreno baldio localizado a poucas centenas de metros da casa, com mais uma passagem bíblica junto ao corpo. Novamente uma tabuleta trará gravada, junto ao corpo com o sangue dela, a seguinte inscrição: “Tiago 1:15”.

Quando consultarem a passagem na bíblia sagrada lerão o seguinte texto: “Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”...

Agnaldo Garcia

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Underground


Tenho trabalhado tanto que nem sinto a falta de espaço que sobra nesta pequena quitinete. Só o que sinto é a sua falta. Penso em você nestes dias mesmo quando estou tão cansado que mal ligo a televisão e já desmaio de sono e quando acordo às duas da madrugada ou algo assim, percebo que esqueci até de trocar a roupa com a qual trabalhei o dia todo ontem. Desligo imediatamente o aparelho, imaginando que do outro lado desta parede fina entre apartamentos alguém pode estar incomodado com o som que vaza, já que do meu lado eu às vezes também posso escutar o ruído do meu vizinho que, apesar do tempo em que vivemos próximos eu mal conheço e só devo ter visto umas duas ou três vezes e trocado nada mais do que uma ou duas sílabas apressadas. Imagino se ele ou ela tem alguém que espera o retorno do trabalho e compartilha as pequenas alegrias e misérias cotidianas desta vida ou se, como eu, vive só...

...Tomo apressadamente um banho e depois sorvo o meu café nesta pressa solitária de todos os dias em que milhões de seres humanos espremidos na metrópole paulista vivem. E quando engulo o pão com queijo e margarina em goles de leite com achocolatado estou pensando em você.

Visto o meu uniforme de terno e gravata, pego a minha pasta verificando apressado se não esqueci nenhum documento que irei utilizar hoje. Dou uma última olhada no espelho, ajeito o cabelo com o pente e fecho a porta deste meu apertamento caminhando para o elevador.

Neste momento gosto de fantasiar que se você estivesse aqui comigo, viria até a porta me dar um beijo trazendo o saco de papel com o lanche do almoço que eu, descuidado, esqueceria sobre a pia da cozinha. Depois você me desejaria um bom dia, que eu voltasse logo e nos despediríamos com um beijo suave. E eu sairia feliz.

Aperto o botão do elevador. Do sétimo andar até o térreo foco a cinzenta paisagem da cidade e fico imaginando, só para preencher o tempo, o que você estará fazendo, talvez atarefada nos seus deveres. Se ainda dorme ou, se acordada sonha como eu agora. Atravesso para a rua pelo bonito e frio térreo do prédio enfeitado de estátuas greco-romanas e plantas ornamentais onde, desprentesiosamente, repousam duas poltronas confortáveis em torno de uma televisão onde provavelmente ninguém se senta.

Caminho alguns quarteirões e entro na Paulista em direção à escada do metrô ao encontro de passos atribulados e, pensando em você, nem vejo quando automaticamente desço a escada rolante e me posiciono ao lado da linha junto com mais dez ou doze rostos nos quais busco aqui e ali algum que pareça o seu e só dou conta de onde estou de novo quando o ar frio e encanado do túnel do trem sopra sobre o meu rosto, empurrado pelos vagões que rapidamente se aproximam para vomitar e engolir gente num frêmito de metrópole que tem pressa sempre.

A porta se abre, pessoas saem ligeiramente dos vagões. Vasculho neste instante cada rosto e imagino o seu agora aqui me olhando indiferente como estes. E fico assim curtindo esta dor “que dá bem lá na pontinha do coração”, como você mesmo costuma dizer ou qualquer coisa assim, enquanto em meu ouvido o fone toca “I Dont Wanna Miss a Thing” do Aerosmith e eu me lembro que na outra noite não dormi direito de tanto pensar em você. E sigo sonhando no embalo da música, imaginando você deitada ao meu lado e eu, como na canção, passando a noite em claro apenas observando enquanto você ressona pesadamente e o seu cabelo comprido encobre a sua face. Então, delicadamente para que você não acorde e rompa este momento de magia, afasto os fios do seu rosto para poder observar um sorriso que você deixa escapar pelo canto da boca.

“... I could spend my life in this sweet surrender...” a música continua tocando e eu, perdido em pensamentos, volto à realidade quando o corpo por inércia pende ante a desaceleração do trem que para. Neste devaneio, desço automaticamente na estação Paraíso e tomo a linha Azul.

Atravesso a estação São Joaquim quando me pego falando sozinho. Mas ninguém nota ou se quer se importa quando balbucio o seu nome entre os dentes num sussurro de quem enlouquece frente à solidão desta imensa selva de concreto e ferro sob a qual estou sepultado agora a dezenas de metros de profundidade. Ainda pensando em você acesso a linha vermelha. Na Praça da República desço do metrô e, com pressa, subo degrau por degrau da escada rolante.

Chego ao trabalho e sento na frente do meu PC, começando com um copo de café quente o meu dia de trabalho e mergulho fundo nas atividades dele, porque assim eu sei que durante o dia inteiro eu quase não vou pensar em você, mesmo quando abrir a caixa de mensagens do meu email e, resignado, constatar que mais uma vez não recebi nem ao menos uma mensagem sua.

O dia vai passar ligeiro e transformar-se em semanas e meses. E na minha rotina vou estar em casa depois do trabalho, sempre diante da minha TV assistindo mecanicamente algum programa em alta definição, perdendo a linha de raciocínio e não entendendo aquele filme de suspense, porque eu estarei pensando em você. E a noite vai me alcançar depressa, como tudo que acontece aqui nesta cidade, trazendo junto com ela o entorpecimento do sono.

Aos sábados e domingos eu poderei acordar mais tarde. E enclausurado na minha solidão metropolitana... Vou passar cada o dia me ocupando de coisas triviais...Só para não pensar o tempo todo em você...



Agnaldo Garcia

domingo, 6 de junho de 2010

A Alma da Menininha

Lívia já se acostumara a ver espíritos. Para ela a conexão com o mundo espiritual se dava em banda larga. Quando começou a perceber que tinha este “dom” e aprendeu a observar os sinais que anunciavam quando um fenômeno destes ia acontecer, ela ficava apavorada. Tinha medo de lugares escuros quando estava sozinha e quando sentia aquele familiar arrepio na nuca, fugia do local onde se encontrava e buscava abrigo junto às pessoas ou em ambientes bem iluminados. Imaginava que estas visões e coisas que ouvia, esta conectividade com o mundo espiritual, se dava em decorrência de sua frágil saúde desde a infância. Como passou toda a vida com um pé em cada um dos dois mundos, nada mais natural que as duas dimensões se mostrassem a ela, conjecturava.

Quase sempre quando passava por uma destas experiências, guardava para si, receosa de que as pessoas pudessem julgá-la fora de juízo.

As coisas tomaram maior proporção na vida adulta, numa época em que ela cuidou de uma mulher conhecida sua que sofria de um terrível câncer que a consumiu por dentro. Lívia, bondosa que era, cuidou da pobre enferma até aproximadamente um mês antes de seu doloroso falecimento, sendo depois substituída por uma enfermeira em função da necessidade da doente de drogas pesadas para aliviar as terríveis dores das quais passou a sofrer com o avanço da enfermidade. O fato é que Lívia também estava exausta com os cuidados que dispensara à paciente e devido a sua saúde frágil já não conseguia cuidar da pobre enferma. Também ficou emocionalmente muito abalada já que era pessoa de sua convivência e a doença fez com que as duas se afeiçoassem mais.

Enfim a mulher veio a óbito. Na noite após o sepultamento, Lívia, apesar de exausta, não conseguia pegar no sono. Deitada ao lado do marido, que dormia profundamente, ela sentiu sede e levantou-se para beber água. Na volta para cama, ao passar pela sala, viu estarrecida, a falecida que a observava pelo vidro da janela. Em pânico ante a visão aterradora de um cadáver, ela corre para a cama e chama por diversas vezes o marido que, em sono profundo, não desperta. Lívia se joga embaixo das cobertas, cobrindo-se até a cabeça. Mas a defunta a persegue até o leito e, com as mãos estendidas, implora por ajuda.

A partir deste episódio apavorante, as visões tornaram-se mais nítidas e freqüentes, principalmente quando a passagem para o outro lado era de alguém muito próximo, como uma pessoa da família. De uns anos para cá, a morte de alguém próximo a ela era prenunciada pela aparição de uma garotinha loira de cabelos cacheados e muito bonita, aparentando uns quatro ou cinco anos, trajando um vestido vermelho longo até a canela e carregando uma flor belíssima, semelhante a uma rosa, em sua mão. Foi assim quando faleceu a filha de um tio querido de seu marido e também quando faleceu seu sogro há quem ela muito estimava.

Os anos se passaram e a saúde de Lívia ia gradualmente se deteriorando. Já há algum tempo, porém as visões tornaram-se menos freqüentes e já não via a garotinha há algum tempo já que neste intervalo não tivera a infelicidade de perder alguém próximo. Num dia de faxina Lívia estava lavando a garagem de casa quando percebeu que próximo a ela apreciam passos de criança no chão molhado. Ficou curiosa ante aquele fenômeno porque realmente não havia nem uma criança no local, mas logo entendeu o que estava ocorrendo, pois sentiu uma presença que a muito não sentia. De súbito, veio-lhe uma pontada lancinante no peito e sua visão turvou-se como se alguém houvesse apagado a luz do mundo. Chamou por socorro e foi acudida pela vizinha que varria o quintal e por cima do muro viu que Lívia havia sentado na garagem com a mão ao peito.

Nisto, Lívia sentiu que a dor foi desaparecendo e sua visão voltou ao normal. Na verdade não se lembrava de sentir-se tão bem o quanto se sentia naquele momento. Com sua visão agora misteriosamente apurada percebeu de relance que havia alguém ao seu lado. Quando se virou, reconheceu a imagem da garotinha que já há algum tempo não via. Ela só lhe sorriu e estendeu a mão. Lígia levantou-se apoiada sentindo-se leve naquele momento. A sua frente havia uma luz brilhante como ela nunca havia visto antes e sentiu que a garotinha a puxava de encontro àquele brilho intenso que a atraia também tamanha a paz que ela sentia quando o mirava.

Olhou para trás e teve ímpeto de voltar quando se lembrou de seu esposo e filhos que percebia estar deixando, mas sabia que era preciso continuar em direção à luz, aquela luz tão bela que a conduzia por uma espécie de túnel cujas paredes pareciam cimentadas de éter apenas. Voltou-se para a garotinha ao lado que serena a olhava com compaixão e familiaridade como se a conhecesse já de muito tempo. Num instante, se achou no fim do túnel onde viajava e saindo para um lindo jardim com flores parecidas com rosas, como aquelas que a garotinha trazia consigo quando a visitava. Olhou para o seu corpo e não reconheceu mais a mulher de quarenta e tantos anos, mas ele estava transfigurado agora também numa garotinha como a que lhe dava as mãos.

A menina apanhou uma flor do jardim e lhe deu. Caminharam para junto de algumas pessoas que pareciam aguardar por Lívia. Reconheceu seus entes queridos que já haviam partido e abraçou cada um deles longamente, cheia de saudades...

Agnaldo Garcia

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Saber Viver

Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar
Cora Coralina

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Você Aprende...

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança ou proximidade. E começa aprender que beijos não são contratos, tampouco promessas de amor eterno. Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos radiantes, com a graça de um adulto – e não com a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, pois o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, ao passo que o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol pode queimar se ficarmos expostos a ele durante muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe: algumas pessoas simplesmente não se importam… E aceita que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai ferí-lo de vez em quando e, por isto, você precisa estar sempre disposto a perdoá-la.

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais. Descobre que se leva certo tempo para construir confiança e apenas alguns segundos para destruí-la; e que você, em um instante, pode fazer coisas das quais se arrependerá para o resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias, e que, de fato, os bons e verdadeiros amigos foram a nossa própria família que nos permitiu conhecer. Aprende que não temos que mudar de amigos: se compreendermos que os amigos mudam (assim como você) e perceberá que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou até coisa alguma, tendo, assim mesmo, bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito cedo, ou muito depressa. Por isso, sempre devemos deixar as pessoas que verdadeiramente amamos com palavras brandas, amorosas, pois cada instante que passa carrega a possibilidade de ser a última vez que as veremos; aprende que as circunstâncias e os ambientes possuem influência sobre nós, mas somente nós somos responsáveis por nós mesmos; começa a compreender que não se deve comparar-se com os outros, mas com o melhor que se pode ser.

Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que se deseja tornar, e que o tempo é curto. Aprende que não importa até o ponto aonde já chegamos, mas para onde estamos, de fato, indo – mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar servirá.

Aprende que: ou você controla seus atos e temperamento, ou acabará escravo de si mesmo, pois eles acabarão por controlá-lo; e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa o quão delicada ou frágil seja uma situação, sempre existem dois lados a serem considerados, ou analisados.

Aprende que heróis são pessoas que foram suficientemente corajosas para fazer o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências de seus atos. Aprende que paciência requer muita persistência e prática. Descobre que, algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute quando você cai, poderá ser uma das poucas que o ajudará a levantar-se. (…) Aprende que não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido: simplesmente o mundo não irá parar para que você possa consertá-lo. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar atrás. Portanto, plante você mesmo seu jardim e decore sua alma – ao invés de esperar eternamente que alguém lhe traga flores. E você aprende que, realmente, tudo pode suportar; que realmente é forte e que pode ir muito mais longe – mesmo após ter pensado não ser capaz. E que realmente a vida tem seu valor, e, você, o seu próprio e inquestionável valor perante a vida.

Willian Shakespeare

domingo, 23 de maio de 2010

Desejo a Você

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar

Victor Hugo

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Epifanias

Você se apóia no que acredita. Fecha os olhos segue em frente esperançoso de que se pode alcançar boa ventura à frente. Conta com a falta de memória para esquecer que não é eterno e num vapt-vupt a vida lhe será ceifada já que ela nunca foi sua e pode ter sido emprestada por uma entidade celestial que se você for veramente sincero consigo, por mais crente que seja, um dia duvidará que exista. Vai se esforçar para estar bem sempre, jovem. Mas o espelho, cedo ou mais tarde vai lhe mostrar um rosto envelhecido que você reconhecerá como o seu.

Sabe que a vida ainda lhe dará boas e más notícias e que se você quiser que algo não aconteça é só desejar do fundo do coração, mas com um pouco de sorte e capacidade de se colocar no lugar do próximo, esquecendo um pouco do próprio umbigo, talvez você se veja cercado de algumas pessoas que realmente apreciam o seu modo de ser e aos quais você poderá chamar de amigos, inclusive alguns seus familiares. Mas seja razoável e leve em consideração o fato de que mesmo as pessoas mais consanguineamente chegadas a você podem te decepcionar ou magoar e vice-versa, de tal maneira que nem mesmo depois de muito tempo seja possível superar.

Aceite que algumas pessoas, de uma maneira inexplicável, conseguem atingir objetivos com muita facilidade enquanto para você tudo parece incrivelmente difícil e as vezes você vai ter que se esforçar tanto que quando chegar ao topo da montanha que estiver escalando, vai estar tão cansado que nem conseguirá apreciar o espetáculo maravilhoso de um por de sol acima das nuvens.

Não ignore a possibilidade grande que existe de não viver nunca um grande amor, embora ele sempre esteja à venda na loja de conveniência mais próxima. E se isso de fato acontecer, tenha certeza: provavelmente, a maioria das pessoas ao seu lado são vítimas do mesmo destino, porque a vida é assim. Lembre-se que o tempo é remédio e o distanciamento da fonte, por mais que aumente a dor no início, é um lenitivo necessário em longo prazo.

Preocupe-se menos, porque como a sua própria experiência mostra, já que você ainda está a salvo lendo estas linhas, a maioria das enrascadas em que a vida ou nós mesmos quase sempre nos colocamos podem ser solucionadas com um pouco de esforço e auto-persuasão e às vezes, o diabo realmente não é tão feio como nos fazemos ou nos querem fazer acreditar. Procure sempre deixar as portas abertas pelos lugares e com as pessoas que conhecer porque realmente, com exceção de Nostradamus e mais meia dúzia de profetas, não podemos prever o dia de amanhã.

Não odeie tanto ninguém nem leve nada tão a sério porque afinal quando olhamos os fatos através dos óculos do tempo os problemas e atritos parecem muito menores, principalmente se considerarmos o quão ínfima é esta nossa existência. Não ria feito idiota o tempo todo de tudo, mas procure manter sempre o bom humor porque afinal, se não resolver para nada prático ou imediato, lembre-se: sorrir faz bem para a saúde, e portanto prolonga a vida.

Procure não desprezar nunca a possibilidade de se reunir com pessoas as quais você estima, porque é muito triste e definitivo lamentar não tê-lo feito no dia em que estiver diante desta pessoa num destes velórios da vida. Seja otimista, prepare-se sempre para o pior, mas espere o melhor. Assim, se você estiver preparado, nada vai parecer tão difícil de superar porque você não será pego de surpresa.

Ame e respeite a sua família acima de tudo, até acima do Corinthians, porque se você for um bom marido, ótimo pai, irmão amigo e filho extremoso, eles te honrarão e cuidarão de você até o fim de seus dias.

E por fim deixo para você a filosofia de vida que eu aprendi de um tio meu. Ele perdeu os seus filhos jovens de maneira abrupta cada um de modo diferente e seu corpo agora é assolado por muitas enfermidades. E quando alguém lhe coloca num assunto algo desagradável ou situações terríveis que escapam a nossa capacidade de resolução, ele simplesmente balança os ombros e replica numa voz cortada de quem já sofreu vários derrames cerebrais:

“Fazer o quê?”...

Agnaldo Garcia