“Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver."
Rubem Alves
Alguém um dia disse que não se pode fugir ao amor nem à morte. Quanto a essa afirmação, eu acredito que a morte sim seja algo definitivo e que entendam como quiser o que acabei de afirmar. E digo que acredito com a pouca convicção de que posso e gostaria muito de estar enganado com relação a este assunto. Então quiçá ao menos eu pudesse escolher o modo de morrer. Porque no final acho que é isto mesmo o que nos resta: um desejo bom que no máximo nós podemos repetir em pensamento: “que seja doce”, como diria Caio Fernando Abreu. Morrer um dia assim, como neste insight que me ocorre agora. Eu sentado num banco de jardim, já idoso (mas não tão velho a ponto de não poder me limpar sozinho) e escorado em uma bengala num dia de sol e nuvens. As folhas das árvores caindo num dia ameno de outono, pássaros revoando por todo lado e zás! Tombo o pescoço e morro em paz sem ter a sensação de ter deixado nada a ser concluído.
Que assim seja!
Assim se foi meu avô, dormindo cada dia um pouco mais, o velho conversador e contador de causos. Deixou este mundo como uma flor, murchando no sentido físico e intelectual da palavra. Nos seus últimos dias apenas se limitava a hum, huns e balançar de cabeça, quase já perdendo a lucidez.
Um dia deitou e não acordou mais. Sereno, de boa...
Mas suspeito que a morte não atenda pedidos e o mais provável é que definhemos em sofrimento em maior ou menor grau conforme a sorte de cada um por um bom tempo até que ela nos leve para o barco de Caronte...
Acho que pensar na morte não é algo natural e, portanto nada agradável. Parece que somos levados, através de um mecanismo de defesa a não pensar neste evento e assim a maior parte de nossa existência não encaramos o fato de que a qualquer momento podemos simplesmente deixar de existir, partir deste mundo, escafeder-se. E levantamos de manhã durante todos os dias de nossas vidas planejando o futuro, mesmo que seja para cinco minutos depois. Nas festas de fim de ano fazemos promessas como se a vida não fosse tão frágil que ao atravessarmos a rua ou simplesmente descendo a escada de casa pudéssemos perdê-la de pelo menos uma dezena de maneiras diferentes.
Eu tenho pensado muito nisto nestes dias. O clima é propício, o ano não foi dos melhores em parte. 2010 já foi tarde, embora tenha levado consigo boa parte da preciosa areia do tempo que se esgota pela ampulheta da minha existência. E o que me resta? Aproveitar estes dias de reflexão em que a minha vida não está tão caótica quanto o trânsito das seis da tarde em São Paulo e mais parece o trânsito da Rua São Paulo num domingo chuvoso em Ribeirão Bonito (aff!) para pensar se estou fazendo o melhor com essa minha breve vida? Parar de pensar e só viver, porque afinal não importa o que pensemos ou façamos a maior parte do tempo nós não temos o controle da situação e somos “teleguiados” pela vontade dos outros, pelos nossos instintos ou nossa visão errônea dos fatos que ocorrem em nossa volta?
Morremos sós, é uma verdade, mas o crucial é que mesmo vivos e cercados de quem amamos e nos amam ainda nos sentimos sozinhos. E às vezes este sentimento é tão intenso que nenhuma distração pode afastá-lo da alma por muito tempo e assim dói no peito de tanta melancolia. Então pra não pensar no assunto aperto o botãozinho que religa o mecanismo de “pensar-que-é-eterno”.
Assisto a um bom filme ou procuro ler um bom livro como “A Arte de ser Desagradável” de Jim Knipfel que a minha amiga Vanessa me emprestou mesmo antes de lê-lo. Utilizando a filosofia do “budismo de cachaceiro” Jim vai narrando de como um jovem cheio de problemas físicos e emocionais reage violentamente contra o mundo onde vive e esta visão vai mudando conforme ele amadurece, ou seja, conforme se aproxima o dia de sua morte. Qualquer semelhança com a trajetória de vida de qualquer um de nós terá sido mera coincidência não é mesmo?
Do livro de Jim Knipfel vou roubar um trecho que ele cita da obra de Ernest Hemingway “...As pessoas sentimentais vivem sendo traídas”. Não por outras pessoas na maneira particular como eu interpretei. As pessoas sentimentais são àquelas movidas por ideais, que criam realidades alternativas na sua mente e assim vivem em choque constante com a realidade. Ainda bem que o correr dos anos trás serenidade para lidar com essas adversidades.
A verdade é que a gente é que nem vinho: com a idade aperfeiçoamos nossa essência, melhoramos o nosso trato e o nosso nariz vai deixando de apontar pro nosso umbigo até ficar na horizontal, de onde ficamos cara a cara com nossos semelhantes e como disse outro amigo meu: “Pena que quando a gente tá ficando bão, a gente morre!”.
Faze o quê, né tio?
Concordo com ele. Concordo também de novo com Caio Fernando Abreu: “... Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER...”
A dor de quando se perde quem se ama ou a iminência de tal possibilidade é o que podemos experimentar de mais profundo no existir, porque nos faz sentir o mais vivo possível.
Já se sabe que nada além pode ser tão terrível porque nada mais pode alcançar tanta importância.
É a antítese da morte...
Agnaldo Garcia
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