quinta-feira, 10 de junho de 2010

Underground


Tenho trabalhado tanto que nem sinto a falta de espaço que sobra nesta pequena quitinete. Só o que sinto é a sua falta. Penso em você nestes dias mesmo quando estou tão cansado que mal ligo a televisão e já desmaio de sono e quando acordo às duas da madrugada ou algo assim, percebo que esqueci até de trocar a roupa com a qual trabalhei o dia todo ontem. Desligo imediatamente o aparelho, imaginando que do outro lado desta parede fina entre apartamentos alguém pode estar incomodado com o som que vaza, já que do meu lado eu às vezes também posso escutar o ruído do meu vizinho que, apesar do tempo em que vivemos próximos eu mal conheço e só devo ter visto umas duas ou três vezes e trocado nada mais do que uma ou duas sílabas apressadas. Imagino se ele ou ela tem alguém que espera o retorno do trabalho e compartilha as pequenas alegrias e misérias cotidianas desta vida ou se, como eu, vive só...

...Tomo apressadamente um banho e depois sorvo o meu café nesta pressa solitária de todos os dias em que milhões de seres humanos espremidos na metrópole paulista vivem. E quando engulo o pão com queijo e margarina em goles de leite com achocolatado estou pensando em você.

Visto o meu uniforme de terno e gravata, pego a minha pasta verificando apressado se não esqueci nenhum documento que irei utilizar hoje. Dou uma última olhada no espelho, ajeito o cabelo com o pente e fecho a porta deste meu apertamento caminhando para o elevador.

Neste momento gosto de fantasiar que se você estivesse aqui comigo, viria até a porta me dar um beijo trazendo o saco de papel com o lanche do almoço que eu, descuidado, esqueceria sobre a pia da cozinha. Depois você me desejaria um bom dia, que eu voltasse logo e nos despediríamos com um beijo suave. E eu sairia feliz.

Aperto o botão do elevador. Do sétimo andar até o térreo foco a cinzenta paisagem da cidade e fico imaginando, só para preencher o tempo, o que você estará fazendo, talvez atarefada nos seus deveres. Se ainda dorme ou, se acordada sonha como eu agora. Atravesso para a rua pelo bonito e frio térreo do prédio enfeitado de estátuas greco-romanas e plantas ornamentais onde, desprentesiosamente, repousam duas poltronas confortáveis em torno de uma televisão onde provavelmente ninguém se senta.

Caminho alguns quarteirões e entro na Paulista em direção à escada do metrô ao encontro de passos atribulados e, pensando em você, nem vejo quando automaticamente desço a escada rolante e me posiciono ao lado da linha junto com mais dez ou doze rostos nos quais busco aqui e ali algum que pareça o seu e só dou conta de onde estou de novo quando o ar frio e encanado do túnel do trem sopra sobre o meu rosto, empurrado pelos vagões que rapidamente se aproximam para vomitar e engolir gente num frêmito de metrópole que tem pressa sempre.

A porta se abre, pessoas saem ligeiramente dos vagões. Vasculho neste instante cada rosto e imagino o seu agora aqui me olhando indiferente como estes. E fico assim curtindo esta dor “que dá bem lá na pontinha do coração”, como você mesmo costuma dizer ou qualquer coisa assim, enquanto em meu ouvido o fone toca “I Dont Wanna Miss a Thing” do Aerosmith e eu me lembro que na outra noite não dormi direito de tanto pensar em você. E sigo sonhando no embalo da música, imaginando você deitada ao meu lado e eu, como na canção, passando a noite em claro apenas observando enquanto você ressona pesadamente e o seu cabelo comprido encobre a sua face. Então, delicadamente para que você não acorde e rompa este momento de magia, afasto os fios do seu rosto para poder observar um sorriso que você deixa escapar pelo canto da boca.

“... I could spend my life in this sweet surrender...” a música continua tocando e eu, perdido em pensamentos, volto à realidade quando o corpo por inércia pende ante a desaceleração do trem que para. Neste devaneio, desço automaticamente na estação Paraíso e tomo a linha Azul.

Atravesso a estação São Joaquim quando me pego falando sozinho. Mas ninguém nota ou se quer se importa quando balbucio o seu nome entre os dentes num sussurro de quem enlouquece frente à solidão desta imensa selva de concreto e ferro sob a qual estou sepultado agora a dezenas de metros de profundidade. Ainda pensando em você acesso a linha vermelha. Na Praça da República desço do metrô e, com pressa, subo degrau por degrau da escada rolante.

Chego ao trabalho e sento na frente do meu PC, começando com um copo de café quente o meu dia de trabalho e mergulho fundo nas atividades dele, porque assim eu sei que durante o dia inteiro eu quase não vou pensar em você, mesmo quando abrir a caixa de mensagens do meu email e, resignado, constatar que mais uma vez não recebi nem ao menos uma mensagem sua.

O dia vai passar ligeiro e transformar-se em semanas e meses. E na minha rotina vou estar em casa depois do trabalho, sempre diante da minha TV assistindo mecanicamente algum programa em alta definição, perdendo a linha de raciocínio e não entendendo aquele filme de suspense, porque eu estarei pensando em você. E a noite vai me alcançar depressa, como tudo que acontece aqui nesta cidade, trazendo junto com ela o entorpecimento do sono.

Aos sábados e domingos eu poderei acordar mais tarde. E enclausurado na minha solidão metropolitana... Vou passar cada o dia me ocupando de coisas triviais...Só para não pensar o tempo todo em você...



Agnaldo Garcia

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