sexta-feira, 8 de abril de 2011

O Vento Finalmente

Sem dúvida nenhuma a culpa é do vento.

Porque tem dias que a gente levanta de manhã com a mente tão esvaziada e agradece a Deus por que não pode pensar em nada e nem quer pensar em nada e assim não se aborrecer ou ficar triste com nenhuma lembrança deste recorte de situações interrompidas pelo passeio do sol pela esfera terrestre que nós chamamos de dia. Só no café fumegando no coador e mesmo assim por causa do cheiro fresco que ele exala e rescende por toda a casa trazido pelo vento e daquele prazer quase sexual que a gente sente quando ele amargamente desce goela abaixo depois de embaçar a lente do óculos. Fora isso a mente segue tão vazia quanto o estômago antes que eu engula o primeiro pedaço de pão mastigado as pressas por causa da quentura do microondas. E a gente nem se importa com a margarina derretida que escorre pela boca. E o silêncio que reina ainda nestas horas da manhã, fora aqui ou ali uma briga de pardal por algum inseto que serve de breakfast, ou os casais de maritacas felizes propagando aos quatro vento o seu eterna estado monogâmico. Momentos em que a gente sente uma melancolia de vontade de não estar aqui mais sem saber porque estes pensamentos pegam a gente assim porque ainda não existe o vento soprando e trazendo os sons baixinhos lá de fora além da luta belicosa dos pardais e o canto de felicidade das maritacas. O sol ainda tímido desponta frio num verão tórrido como estes últimos. Surpreendentemente procuro o sol sob minhas costas, porque nesta manhã o vento que ainda não veio aqui dentro pela janela resfriou o verão escaldante.

O vento sempre acaba soprando em algum momento. De surpresa e muito rapidamente como tudo que há de bom na vida, ocorre assim sem que possamos nos dar conta de que ocorreram e possamos tirar o máximo de proveito deles. E depois só fica uma saudade melancólica que teima em provocar uma dorzinha incômoda lá na “pontinha do coração”. Dor, que se pudesse ser traduzida num desabafo, daqueles que a gente, sem pensar, despeja para o mundo direcionado ou não, de vez em quando, sairia mais ou menos assim: “Nunca mais eu igual”. Ele sempre trás coisas de longe, como aquele tecido branco que insiste em flutuar sobre o éter a minha volta e como um véu compromete a minha visão. E nestes momentos a gente só pode é fechar os olhos e ver as coisas pelos olhos do coração, me arrancando de mim e prometendo que eu nunca mais vou sorrir a vontade sem que algum músculo contraído da minha face marque um ponto perdido de saudade nos rincões do tempo. Que apesar de tudo de bom ou de ruim que eu irei atravessar certas lembranças impregnadas ficarão como aquelas fotos antigas que, desgastadas pelo tempo, desbotam mais ainda mas conservam registradas pixels de memória de um instante congelado e precioso e que mesmo que nós pudéssemos apagar de nossas mentes e corações não íamos querer porque assim pareceria cometer um pecado imperdoável contra a maior de todas as forças do cosmo.

Só o vento soprando assim. Um vento carregado de umidade nestes dias de verão absurdamente quentes trouxe uma lembrança triste de lugares em que eu nunca estive e momentos que eu nunca vivi. Como aquela música que a gente houve pela primeira vez e conversa com a nossa alma. E nos faz perceber coisas que surpreendentemente eram tão preciosas e estavam o tempo todo conosco, mas nem nos dávamos contas.

O vento me lembrou de um sonho terrível de morte que eu tive esta noite. E dele acordei pelas três da madrugada, suava de agonia. Levantei fui até a cama de minha filha, apalpei a sua testa e apoiei as costas de minha mão como a verificar que o sonho que eu tivera não havia sido um prenuncio ruim. E fiquei ali durante um tempo ao pé de sua cama lembrando de todas as expressões de sua face, de momentos bons de ela sorrindo feliz ao meu lado. Remoendo instantes em que eu me julgava realizando coisas muito importantes que não lhe pudesse dar a atenção merecida e um sentimento de remorso me tomou por algum tempo. Então toquei mais uma vez a sua fronte, beijei-lhe a testa cheia de cabelo e tentei por alguns longos minutos retomar o sono porque amanhã afinal, tudo começa mais ou menos como no dia anterior, já que a impressão causada por este sonho vai ficar marcada em minhas lembranças, mas desaparecerá um dia como a onda formada por uma pedra lançada sobre a água.

Pela manhã depois de tomar meu café a acordei com um beijo e me retive num pensamento deveras desconfortável. Que o que eu vi no sonho poderia acontecer, eu poderia perdê-la a qualquer momento e por isso a segurei com mais força quando ela ressonando e de mau humor como agora todos os dias de manhã tentasse se livrar do meu abraço. Eu sorri agradecendo a Deus que eu a tivesse ainda ali comigo.

Lembrei-me do meu tio e só agora eu pude de leve dimensionar toda a dor que ele ter experimentado quando perdeu seus filhos. Eu nunca havia dimensionado como isto pode ser terrível para alguém até então e eu nem havia me dado conta disso. Este pensamento me fez ir até ela e abraçá-la muito forte até que ela reclamasse e me afastasse num gesto de protesto.

Uma amiga que escreve muito bem me mandou uma mensagem de aniversário hoje, embora meu aniversário seja daqui a alguns dias. Às vezes a gente tem coisas a dizer que não precisam esperar datas especiais, como aquelas roupas, as melhores, que guardamos sempre para ocasiões especiais e quase nunca usamos. Talvez nem haja tempo para usá-las.

A gente vai vivendo e conhecendo pessoas sem o menor “fair play”, mas quando encontra algumas que dão “show de bola” no jogo da vida é impossível não se encantar. Pessoas que conhecemos a tão pouco tempo, mas que já apreciamos tanto que quase faz crer que em outros tempos ou reencarnações nos foram muito familiares, como uma irmã, um tio ou o avô gente boa.

E como você disse neste recado singelo minha amiga, depois dos 40, 41, precisamente aos 42, tudo parece mudar, permanecemos olhando para trás um bom tempo e nos habituamos tanto a isso que nem vemos as pedras no caminho e tropeçamos um monte de vezes de forma que nossos joelhos e cotovelos vão ficando em carne viva. O lado bom disso é que vamos aprendendo a nos levantar cada vez com mais dignidade e graça e as feridas vão criando casca de maneira que depois de algum tempo, uma casca dura protege de feridas novas. Acostumamos-nos também a torcer para que estas pedras amoleçam e se firam como nós, não por vingança, mas para que aprendam com os erros e sofrimentos. E vamos, apesar de moles, nos lapidando como os duros diamantes e nos tornando capazes de sentir a dor dos outros, quando os escorpiões são cruéis com quem estimamos e assim , sabendo que sempre vamos encontrar estas pedras por amolecer no caminho, seguimos procurando esquecer o futuro incerto.

Já sabemos um tantinho da vida, sabemos olhar e definir o quão importante é ou não aquela, aquele ou aquilo.

Sei que você ainda é bem jovem e tem a pele grossa ainda, rsrsrsrsrsrsrs... Mas desde quando cronologia define a verdadeira idade, não é? Afinal, a passagem do tempo de forma contínua é pura invenção dos homens. Já ficou uma hora no dentista? É igual a uma hora num quiosque tomando umas com os amigos?

E é assim mesmo que a vida segue, descobrimos que nossos herois, aqueles que pareciam ter a capacidade de salvar o mundo, ou pelo menos o nosso time do coração, são tão humanos como nós, brigando contra a balança ou um hipotireoidismo. Por um tempo tudo parece irremediavelmente sem solução. Temos a impressão de que o mundo inteiro vai desabar sobre nossas costas. Depois tudo melhora, até o Corinthians... Nesta montanha-russa gigante que é a vida.

Agnaldo Garcia

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