sábado, 25 de junho de 2011

O Mito das Almas Partidas




Conta uma lenda cretense cuja narração havia se perdido nas areias do tempo e que recentemente foi descoberta em fragmentos de pergaminhos, que no princípio de tudo os homens eram seres etéreos e eternos feitos de pura energia. Neles, os gêneros masculino e feminino fundiam-se num só ser poderoso e feliz por sua completude. Estes seres possuíam todas as qualidades de ambos os sexos.

Moviam-se pelos ares ou através da matéria felizes e exuberantes em sua forma energética. Não sentiam solidão, pois se autocompletavam e viviam satisfeitos com sua condição andrógina. O fato de estarem fundidos lhes conferia pleno domínio dos sentidos e ampla vivacidade.





Tais condições acenderam a ira e inveja dos deuses do Olimpo que foram queixar-se a Zeus ou Júpiter o criador destas majestosas criaturas. Todos os homens possuíam na plenitude todas as características valorizadas pela cultura helênica. Beleza, inteligência, sabedoria e bondade abundavam neles. E os deuses que eram conhecidos cada um por uma qualidade destas das quais se sobressaíam, argumentaram com o soberano dos deuses que os humanos assim como se encontravam eram em sua essência mais poderosos que eles próprios e poderiam sobrepujá-los em carisma ante os outros habitantes da terra e assim se tornariam objeto de adoração substituindo aos deuses em seus corações. Naquela época outros seres como elfos, sátiros, musas e centauros povoavam a terra.

Houve então uma assembleia no Olimpo para decidir o futuro da humanidade, onde se reuniram os doze principais deuses. Zeus a cabeceira deu voz a todos que falassem. Áries, o deus da guerra, manifestou-se primeiro e propôs que Zeus permitisse que sobre o seu comando, os titãs fossem libertados e despejassem sua fúria contra a terra destruindo os humanos, mandando-os para o interior do planeta aos cuidados de Hades o guardião do inferno. A bondosa Atena, a deusa da sabedoria e Afrodite, a deusa da beleza e do amor, intervieram com veemência contra a trágica ideia de Áries convencendo ao rei dos deuses que a humanidade não era merecedora de tão abominável destino. Depois de muita discussão entre pequenos senões acabou por prevalecer a ideia de Hera, a influente esposa de Zeus.

Foi decretado que a humanidade não deveria rivalizar em poder com os deuses e para isto algumas providências seriam tomadas.

Zeus com seus raios poderosos deveria cortar estes seres ao meio, separando-os em duas partes: a masculina e a feminina deveriam subsistir em separado. Para que essa condição fosse perpétua, Hefesto deveria fabricar-lhes corpos físicos aos quais se prenderiam suas almas de modo que não pudessem continuar vivos sem a casca de carne e nem juntar-se, senão em breves momentos de conjunção espiritual. Também foi abreviado o tempo de existência destes invólucros corpóreos de modo que estes seres perdessem a memória de eternidade e revivessem em cada existência sem lembrança alguma da ocupação anterior. Quanto às qualidades, elas deveriam ser limitadas para cada ser, como aos deuses, tornando-os notáveis em apenas algumas, de modo que cada uma de suas almas divididas recebesse uma porção delas. Não satisfeita ainda, à deusa Hera, vilã da humanidade, sugeriu com a força de sua posição de esposa de Zeus que as almas gêmeas raramente deveriam se reconhecer mutuamente de modo que o encontro de dois destes seres se tornassem eventos raros e fortuitos.

Assim foi...

Está explicado então: a culpa é dos deuses de tantos desencontros. Por tanta gente no mundo e este sentimento absoluto de existir só que experimentamos às vezes mesmo abraçados e protegidos pelos nossos entes mais queridos. Esta sensação de que falta um pedaço, uma parte tão importante de nós, que alguns buscam mesmo sem esperança de êxito por toda uma vida, enquanto outros fingindo não se importar desistem de procurar dizendo-se felizes em estar sozinhos mesmo sem disfarçar um semblante amargo de quem é pedaço de si mesmo apenas. Outros tentam acomodar-se em partes não compatíveis a si como a criança inexperiente que insiste encaixar peças erradas de um quebra-cabeça.

Bendizei então a vossa sorte se encontrardes alguém que vos encaixe à alma...

Terás encontrado a vossa alma metade, ao menos por um breve período durante esta curta existência. Para a contrariedade dos deuses.

Agnaldo Garcia

domingo, 12 de junho de 2011

Do Amor






Quando o amor vos chamar, segui-o,

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;

E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,

Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;

E quando ele vos falar, acreditai nele,

Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos

Como o vento devasta o jardim.

Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,

Assim ele vos crucifica.

E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,

Trabalha para vossa queda.

E da mesma forma que alcança vossa altura

E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,

Assim também desce até vossas raízes

E as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.

Ele vos debulha para expor vossa nudez.

Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.

Ele vos mói até a extrema brancura.

Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma

No pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas, o amor operará em vós

Para que conheçais os segredos de vossos corações

E, com esse conhecimento,

Vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor,

Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,

Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez

E abandonásseis a eira do amor,

Para entrar num mundo sem estações,

Onde rireis, mas não todos os vossos risos,

E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá senão de si próprio

E nada recebe senão de si próprio.

O amor não possui, nem se deixa possuir.

Porque o amor basta-se a si mesmo.

Quando um de vós ama, que não diga:

“Deus está no meu coração”,

Mas que diga antes:

"Eu estou no coração de Deus”.

E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,

Pois o amor, se vos achar dignos,

Determinará ele próprio o vosso curso.

O amor não tem outro desejo

Senão o de atingir a sua plenitude.

Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,

Sejam estes os vossos desejos:

De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho

Que canta sua melodia para a noite;

De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;

De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor

E de sangrardes de boa vontade e com alegria;

De acordardes na aurora com o coração alado

E agradecerdes por um novo dia de amor;

De descansardes ao meio-dia

E meditardes sobre o êxtase do amor;

De voltardes para casa à noite com gratidão;

E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,

E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Khali Gibran


sábado, 4 de junho de 2011

A Guerreira e o Dragão Negro


Na mitologia visigoda, Rita era uma grande guerreira que travou uma luta feroz contra um dragão negro. Ela carregava sobre sua cabeça um elmo emplumado que a protegia das maléficas emissões de fluidos ectoplásmicos da criatura. Lembrava muito a deusa Athena pelas suas vestimentas e apetrechos de guerra que carregava imponente. Entre estes apetrechos, encontrava-se em sua mão direita uma lança com a qual desferia firmes e certeiros golpes no dragão que persistia maldosamente em atacar a sua aldeia.

Em tempos de paz, Rita era uma sábia aldeã que instruía os jovens aventureiros pelas sendas da vida. Ela era mestra em orientar caminhos e muito hábil na arte de produzir mapas que indicavam pontos de partida e de chegada. Diz a lenda que um dia de surpresa, ao cair da noite como é da preferência das criaturas maléficas, enquanto Rita aquecia-se em torno da fogueira no aconchego de sua casa, eis que um dragão pavoroso atacou sua aldeia. Surpreendentemente, a moça de traços delicados e personalidade aparentemente insegura transfigurou-se de coragem e resignada determinação para enfrentar a batalha contra o ser das trevas. Os moradores da aldeia espantaram-se com a atitude até então inesperada da jovem aldeã. Enquanto o dragão rugia e cuspia fogo, ameaçando tornar em cinzas o seu mundo, ela correu para o depósito de armas e tomou para si um escudo que daquele momento em diante, passou a empunhar nas batalhas, preso ao seu braço esquerdo junto a lança que segurava firme na mão direita. Partiu assim em embate contra o dragão, enquanto outros de ditosa coragem fugiam amedrontados pelos bosques adentro, desaparecendo para sempre na escuridão da noite.

O dragão negro, enfeitiçado por um mago diabólico que desejava destruir a aldeia, atacava sempre à noite e era rechaçado sem tréguas pela guerreira. Durante o dia, ela exausta repousava enquanto o dragão ferido fugia para a floresta para se recompor e voltar a atacar. Na terceira noite de ataque ela sentiu-se tão exausta que quase sucumbiu, mas manteve bravamente o escudo erguido, pois sabia que a derrocada da fera estava próxima.

Numa noite fria de agosto o dragão lançou seu último ataque. A guerreira ergueu o braço cansado e cravou-lhe a lança no coração, ponto mortal e frágil destas criaturas mágicas, e triunfou sobre a fera esmagando-lhe a cabeça com o ferrolho de suas sandálias.

Rita voltou a ser então a sábia moça aldeã vivendo feliz em sua pacata aldeia.

Dedicado à amiga e professora de geografia Rita de Cássia Marino, cuja batalha contra o dragão negro, pela fé já está vencida.


Agnaldo Garcia