quinta-feira, 29 de julho de 2010

Crítica Filosófica: O Verdadeiro Amor

É uma quinta-feira chuvosa. Penso nela. Chego ao meu apartamento cansado. Mais um dia corrido de serviço. Deito-me no sofá e olho pela janela. Sua imagem aparece em minha mente. Posso ver com clareza os belos contornos e a tonalidade de sua cútis. Fecho os meus olhos e sinto uma sensação maravilhosa. O meu rosto esquenta com o toque imaginário do rosto dela. A sensação de seu abraço, que recentemente recebi, ainda é lembrada por todo o meu corpo. O barulho da chuva me hipnotiza. Revivo os momentos em que eu a contemplava de longe. Ah, se ela soubesse o que eu sinto…

Pensar nela é uma sensação que embriaga meu corpo de prazer e felicidade. Ela é a única pessoa que me faz sentir voando nas nuvens com o simples prazer que sua existência me proporciona. Nunca fizemos amor, mas sinto o mais poderoso êxtase afetivo em sua presença. Ao olhá-la, de longe ou de perto, não consigo manter minha mente na realidade. Minha cabeça viaja pelas mais belas fantasias enquanto meu corpo continua interagindo com o mundo.

Meu Deus, o sorriso dela me desmonta. Que divino é seu gesto. Quando ela sorriu pela primeira vez para mim me fez sentir o homem mais feliz do mundo. É impossível relatar o que sinto por ela. É tão forte e intenso que as palavras não dão conta. Não me satisfazem. Ao tentar comunicar os afetos me sinto limitado. Sinto a sensação de que o meu amor esta preso no corpo.

Meu querido filósofo Wittgenstein disse uma vez: “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Fico muito triste em saber que um dos pensadores que eu mais admiro tenha levado uma vida tão sem “sabor”, podendo narrá-la sem problemas. Pobre Ludwig. Felizmente, ou não, sua máxima não serve para mim. Sinto cada vez mais que o meu mundo é limitado pela linguagem, e não o contrário. Gostaria de expressar certos sentimentos, mas as palavras são incapazes de explicar. O máximo que eu já consegui falar, após muito tempo, é que sua presença era a causa da minha felicidade e expressei minha gratidão ao senhor da vida por tê-la feito existir. Provavelmente seja o máximo que a filosofia dos afetos possa me dar como discurso.

Não é triste saber que algo tão bom e intenso não pode ser transmitido para outras pessoas? Há muitos anos gostaria de ter dito ao objeto do meu amor que sua existência é tudo de bom para mim. Gostaria que ela pudesse sentir como cada parte do meu corpo fica eufórico só em vê-la. No fundo foi esta frustração que me fez ficar tanto tempo afastado e sem poder me expressar em sua presença. Estudei muito filosofia por causa dela. Queria aprender o que eu sentia e como poderia transmitir tais afetos. Depois de muito estudo descobri que é impossível. Minhas esperanças desabaram frente a esta limitação ontológica. O que eu sinto é meu, só meu, e nunca poderá ser igual em outra pessoa. Ninguém pode sentir ou explicar o que sinto por esta mulher. Toda a humanidade está condenada ao autismo. Acreditar que há pessoas que conseguem exprimir, melhor do que outras, o que vêem ou sentem é mera ilusão. O poeta, no fundo, é um astuto ilusionista. O psicólogo, um ingênuo blefador.

O que eu sinto por ela é só meu. Minhas lembranças, sentimentos e fantasias são tesouros. Um poderoso anestésico frente às agressões do mundo. Esta é a verdade para mim. Algum companheiro filósofo dirá: - O que você sente é simplesmente amor. Sim, é verdadeiramente um amor. Porém, isso não explica nada. Como revelava o sábio Platão, o amor é um desejo. Porém, ele não termina na satisfação momentânea de se ter o ser amado. O amor continua porque desejamos neste instante e no futuro. O amor não acaba com a simples posse do outro, mesmo porque nada nos garante que o outro será sempre nosso. Pois bem, aceito esta definição. Eu a desejo hoje e amanhã sim. Só não estou certo da importância de possuí-la. Além disso, já amei verdadeiramente outras mulheres. Porém, nunca foi igual ao que sinto por ela. O amor que sentimos por uma pessoa nunca é igual ao que sentimos por outra. Não é questão de ser maior ou menor, mas é simplesmente diferente. E o que sinto por ela é muito diferente do que eu senti pelas demais. Para mim não é a mesma coisa.

Muito me espanta que alguns tenham pensado nos afetos de forma lógica e matemática. Há alguns filósofos que dizem que o amor se dá na gratificação que se tem em sentir a felicidade de quem se ama. A pessoa amada é causa de nossa felicidade, e quando quem amamos fica feliz nós também ficamos. Esta lógica parece coerente. Sou feliz com a felicidade dela. Acho que por isso tenho preocupação em fazê-la feliz o tempo todo. Amar o outro, no fundo, é amar a si próprio. Porém, esta mesma filosofia diz que devemos ficar felizes se o objeto amado se tornar feliz com outra pessoa. Se um outro a faz mais feliz do que você, logo é preciso ceder. Assim, você se torna ainda mais feliz. Esta racionalização da mecânica espinosana para mim é um absurdo. Nunca fiquei minimamente feliz em ver quem amo nas mãos de outro. O que as pessoas têm dificuldade em aceitar é que o amor é simplesmente um “desejo”, o desejo é uma “falta”, e a falta requer a “posse” do que não se tem. O mais insano é que, segundo esta lógica dos afetos, alguns diriam que eu não sinto amor por ela. Vejam que até na filosofia há demência…

Por fim, o leitor diria que estou assolado pela paixão. É uma hipótese plausível. A paixão é um vício do espírito e pressupõe algumas coisas. Enquanto no amor o objeto amado é a CAUSA da minha felicidade, na paixão o ser amado é a MEDIDA da minha existência. É o sentimento de que o próprio viver depende do objeto amado. É quando se deixa de viver a própria felicidade para se viver na felicidade do outro. É o que na filosofia epicurista e estóica chamam de “ignorância da razão”. É enxergar no outro a sua própria completude, transferindo assim seus vazios e carências para o objeto amado. Além disso, pressupõe que a pessoa neste estado é incapaz de amar outrem. É um sentimento intenso e terrível. Tive uma paixão que durou dos oito aos catorze anos e com certeza não é nada parecido com o que sinto por ela. Primeiro, a minha felicidade basta em mim mesmo. Não dependo dela para viver a “boa vida”. Segundo, sempre gostei dela e isso não me impediu que eu amasse sinceramente outras mulheres.

Mas o que eu sinto então? Que sentimento é este que ela me produz? Algum dia alguém poderá me explicar satisfatoriamente? Como bom cético pirrônico tenho que dizer “talvez”. Sem afirmar ou descartar. Até lá sigo existindo. Feliz em contemplá-la quando posso, ou sonhando com sua presença. Princesa de Pariquera. Na incapacidade de gratificar meu desejo de amá-la, faço o que em psicanálise se chama de sublimação: canalizo meus impulsos libidinais para uma atividade socialmente aceita. Converto amor em artigos. Afetos em filosofia. Insisto em comunicar ao mundo o incomunicável.

Autor: Arthur Meucci

Do blog: http://criticafilosofica.wordpress.com

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sem Título

Não te quero senão porque te quero,

e de querer-te a não te querer chego,

e de esperar-te quando não te espero,

passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,

e a medida do meu amor viajante,

é não te ver e amar-te, como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,

seu raio cruel meu coração inteiro,

roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,

e morrerei de amor porque te quero,

porque te quero amor, a sangue e fogo.

Pablo Neruda